Convidamos você a ouvir a entrevista conduzida por Vanessa Weisbrod, Diretora do Programa de Doença Celíaca do Boston Children’s Hospital e líder da Celiac Disease Foundation, com o Dr. Julio Bai, referência em pesquisa e conscientização sobre a doença celíaca na América Latina.
Acesse o episódio aqui:
🎧 Raising Celiac – Temporada 2: A Doença Celíaca na América Latina
Vanessa Weisbrod (00:02):
Bem-vindos à segunda temporada do Raising Celiac, um podcast dedicado a elevar o padrão de educação, conscientização e pesquisa sobre a doença celíaca e outras condições autoimunes relacionadas.
Este ano trazemos mudanças empolgantes: o programa de doença celíaca do Boston Children’s Hospital uniu-se à Celiac Disease Foundation para ampliar o alcance do nosso podcast educacional.
Nosso objetivo é simples: fornecer educação para o maior número possível de profissionais de saúde e famílias de pacientes.
Eu sou Vanessa Weisbrod e comecei um novo papel como Diretora de Educação e Engajamento Comunitário na Celiac Disease Foundation.
Em cada episódio, você também ouvirá Janice Arnold, uma assistente social incrível do Boston Children’s Hospital, que dá voz às histórias dos nossos pacientes.
Todo mês convidamos especialistas para discutir temas relevantes sobre a doença celíaca, seu impacto nas famílias, as pesquisas mais recentes e oferecer orientações para profissionais de saúde lidarem com casos complexos.
Cada episódio do Raising Celiac é acreditado pelo departamento de Educação Continuada do Boston Children’s Hospital para médicos, enfermeiros, assistentes sociais, nutricionistas e psicólogos.
Para obter créditos por ouvir este episódio, acesse 👉 dme.childrenshospital.org/raisingceliac.
Agradecimentos ao Global Autoimmune Institute e à Celiac Disease Foundation por tornar este podcast possível.
Agora, vamos começar com a história do paciente deste mês.
História da Paciente: Sophia
Janice Arnold (Sophia) (01:40):
Apresentamos Sophia, uma designer gráfica de 28 anos que vive em Buenos Aires, Argentina.
Durante anos, Sophia enfrentou sintomas digestivos, inchaço, diarreia e dores abdominais agudas que a deixavam exausta e sem concentração.
Ela consultava regularmente seu médico de família e recebeu diversos medicamentos que ajudaram um pouco, mas nunca resolveram o problema.
Vanessa Weisbrod (02:04):
Esses sintomas são manifestações clássicas da doença celíaca não tratada. No entanto, a falta de conscientização entre os profissionais de saúde em algumas regiões pode atrasar o diagnóstico, como aconteceu com Sophia.
Janice Arnold (Sophia) (02:15):
Após anos sendo diagnosticada erroneamente com síndrome do intestino irritável, Sophia finalmente recebeu o diagnóstico correto de doença celíaca após um caso familiar que levou à realização de testes genéticos.
Embora tenha sentido alívio ao ter respostas, logo percebeu os desafios de manter uma dieta sem glúten na Argentina.
Vanessa Weisbrod (02:33):
A Argentina possui uma lei nacional que exige que todos os restaurantes ofereçam opções sem glúten. Em teoria, cada restaurante deve garantir refeições seguras para pessoas com doença celíaca, preparadas com ingredientes adequados e livres de contaminação cruzada.
Janice Arnold (Sophia) (02:51):
Apesar da lei parecer fantástica para a comunidade celíaca, Sophia percebeu rapidamente que a fiscalização e a conscientização variam muito.
Comer fora exige verificar ingredientes e protocolos contra contaminação cruzada, o que gera ansiedade e sensação de exclusão.
Mesmo assim, ela encontrou apoio em grupos de defesa locais e comunidades online.
Sophia comenta: “Viver com doença celíaca na Argentina é um equilíbrio constante. As leis são boas na teoria, mas cabe a nós garantir que sejam cumpridas. Minha esperança é que haja mais conscientização para que pessoas como eu se sintam seguras e incluídas.”
Vanessa Weisbrod (03:27):
A esperança é que, com mais conscientização, a vida dos pacientes celíacos na América Latina continue melhorando.
Mas como conseguimos isso? Como educar melhor os médicos sobre diagnóstico e tratamento? Como os nutricionistas podem aprender mais sobre a dieta sem glúten e suas implicações?
Falaremos sobre isso no episódio de hoje com o Dr. Julio Bai, gastroenterologista de renome mundial, baseado em Buenos Aires.
O Dr. Bai é um líder em pesquisa e defesa da doença celíaca na América Latina e coorganizou recentemente o Simpósio Celíaco em Buenos Aires.
Discutiremos os desafios, avanços na legislação e os esforços contínuos para melhorar o diagnóstico e o cuidado.
Bem-vindo, Dr. Bai, ao Raising Celiac!
Entrevista com o Dr. Julio Bai
Dr. Bai (04:29):
Muito obrigado pelo convite e por me receber aqui. Farei o meu melhor para responder às suas perguntas.
Vanessa Weisbrod (04:40):
Obrigada, Dr. Bai. Sempre me inspiro ouvindo as histórias que você conta sobre a doença celíaca. Pode contar aos nossos ouvintes a história da doença celíaca na América Latina?
Dr. Bai (04:52):
A doença celíaca começou a ser bem conhecida na primeira metade do século passado, graças à imigração de médicos europeus.
Na Argentina, tivemos uma grande comunidade britânica e, durante a Segunda Guerra Mundial, recebemos muitos imigrantes da Europa Oriental, que trouxeram conhecimentos importantes, especialmente para Buenos Aires.
Quero destacar dois pontos importantes:
Em 1848, foi fundado em Buenos Aires um hospital exclusivo para gastroenterologia. Lá criaram uma seção especializada em transtornos do intestino delgado, recebendo muitos pacientes celíacos da Argentina e países vizinhos.
O segundo ponto foi em 1955, quando cinco anos após a descoberta de que os grãos eram responsáveis pela doença celíaca, desenvolveu-se um instrumento especial para biópsia oral. O diretor do meu hospital na época publicou os primeiros achados sobre isso.
Infelizmente, como aconteceu em outros países, o estudo foi publicado em espanhol e não teve reconhecimento internacional imediato. Um ano depois, surgiu um estudo semelhante no The Lancet, em inglês.
Isso mostra como diferentes países, mesmo com idiomas distintos, avançavam simultaneamente no diagnóstico da doença celíaca. Algo comum na medicina e na pesquisa.
Vanessa Weisbrod (08:40):
Dr. Bai, como o senhor começou a se interessar pela doença celíaca?
Dr. Bai (08:43):
Comecei jovem, com 22 anos, quando iniciei minha residência em gastroenterologia. No terceiro ano, fui convidado pelo grupo especializado em transtornos do intestino delgado para ser fellow.
Lembro perfeitamente da minha primeira paciente: uma senhora muito pequena, que acompanhei por muitos anos. Curiosamente, ela era tia de um presidente da Argentina. Investigamos toda a família, mas não encontramos outros casos.
Dez anos depois, dirigi essa seção por uma década e depois assumi cargos mais altos no hospital, sempre mantendo meu vínculo com o grupo.
Nos anos 80, começamos a produzir pesquisas científicas e publicações, trabalho que continuo até hoje.
Vanessa Weisbrod (10:15):
É interessante como o primeiro paciente marca nossa trajetória. Minha mãe foi diagnosticada em 1990 e era o primeiro caso de doença celíaca do gastroenterologista dela. Ele apenas disse: “Você não pode mais comer biscoitos!”
Dr. Bai (10:52):
Sim, é comum ver como o conhecimento sobre a doença celíaca evoluiu. Nos anos 80, conheci um pesquisador de Boston que publicou estudos excepcionais nos anos 70. Isso estimulou nosso interesse em aprofundar a pesquisa.
Em 1985, quando era professor em Dallas, participei de um congresso em San Francisco e dois anos depois apresentamos nosso primeiro abstract nos EUA. Na época, diziam que a doença celíaca não era relevante lá.
Mas em 1991 conseguimos que nosso trabalho fosse aceito em uma sessão plenária da DDW, marcando o início do interesse sobre o tema nos Estados Unidos.
Vanessa Weisbrod (13:12):
Dr. Julio, o senhor é um dos fundadores da Sociedade Latino-Americana para o Estudo da Doença Celíaca (LASSCD). Pode nos contar sobre a missão da sociedade e como ela apoia os pacientes na região?
Dr. Bai (13:25):
A América Latina é uma região muito diversa, com grande variação étnica, cultural e econômica. O Cone Sul — Argentina, Uruguai e Chile — é mais homogêneo devido à ascendência europeia, o que facilitou o reconhecimento da doença celíaca.
Já em países como Paraguai, Bolívia, Brasil, Peru, Equador e Colômbia, a situação é diferente, com hábitos alimentares variados e uma crença antiga de que a doença celíaca não existia nessas áreas.
Com o tempo, através de palestras e divulgação, o interesse começou a crescer e mais diagnósticos foram realizados.
A LASSCD é uma extensão da sociedade internacional (ISSCD). Nosso compromisso é aumentar a conscientização sobre a doença celíaca, melhorar os métodos de diagnóstico, padronizar tratamentos e incentivar a publicação de pesquisas científicas na região.
Vanessa Weisbrod (15:51):
Quais são os maiores desafios no diagnóstico e tratamento da doença celíaca na América Latina?
Dr. Bai (15:58):
O maior desafio continua sendo a educação médica. Muitos profissionais ainda realizam diagnósticos com excesso de testes sorológicos ou interpretam mal as biópsias, resultando tanto em subdiagnóstico quanto em superdiagnóstico.
Há 20 anos, fizemos um estudo em Buenos Aires comparando patologistas gerais com especialistas e constatamos um erro de 45% na leitura das biópsias. Além disso, muitas amostras eram inadequadas devido à má orientação e manipulação.
Vanessa Weisbrod (17:53):
E quanto aos fatores culturais e econômicos? Como eles afetam o acesso a alimentos sem glúten e aos cuidados médicos?
Dr. Bai (19:20):
Esse é um ponto crucial. Na América Latina, a dieta sem glúten pode custar até três vezes mais do que os produtos comuns. Felizmente, na Argentina existe um bom suporte para produtos sem glúten.
Uma história interessante envolve comunidades indígenas no nordeste da Argentina. Nos anos 80, o governo decidiu suplementar a alimentação dessas populações com grandes quantidades de grãos, o que resultou em um aumento significativo de casos de doença celíaca devido ao excesso de glúten.
Vanessa Weisbrod (21:26):
Isso é muito glúten!
Dr. Bai (21:28):
Sim, muito mesmo! Lembro de um menino diagnosticado há quase 40 anos — o primeiro caso desse tipo de população. Isso mostra que ainda há muitos pacientes não diagnosticados em regiões similares.
Vanessa Weisbrod (22:25):
Recentemente, o senhor organizou um simpósio internacional. Quais foram os principais destaques?
Dr. Bai (22:35):
Desde 1982, organizamos encontros a cada dois anos sobre diagnóstico, acompanhamento e tratamento da doença celíaca. Há 20 anos lançamos o Congresso Pan-Americano e, após a pandemia, fortalecemos a parceria com a sociedade internacional para estabelecer uma filial na América Latina.
Além disso, em 1977, ajudamos a criar a primeira associação de apoio a pacientes celíacos na Argentina. Sabemos que mais conscientização significa melhor educação e cuidados para os pacientes. Também incentivamos médicos da região a participarem de pesquisas internacionais.
Vanessa Weisbrod (25:43):
É interessante ver como a ISSCD está trabalhando com grupos regionais como o da América Latina e da Índia. Como o senhor vê essa colaboração internacional e o que espera alcançar?
Dr. Bai (26:05):
Esses encontros internacionais e a participação de especialistas são essenciais. Ainda temos muito a fazer em termos de diagnóstico, acompanhamento e tratamento.
A colaboração com grupos de pesquisa internacionais é fundamental para expandir o conhecimento e manter os médicos atentos à doença celíaca. Quanto mais alerta estiverem, mais pacientes serão diagnosticados corretamente.
Vanessa Weisbrod (26:41):
Falando da lei nacional da Argentina sobre alimentos sem glúten, o que ela estabelece e como funciona na prática?
Dr. Bai (26:54):
Foi um processo de 3 a 4 anos de discussões. A lei, em teoria, é excelente: reconhece a doença, apoia o diagnóstico com exames e biópsias, incentiva a pesquisa e obriga todos os restaurantes a oferecerem opções sem glúten.
No entanto, como em muitos países, a aplicação prática é desigual. A maior mudança ocorreu com a introdução dos testes de anticorpos antitransglutaminase, que impulsionaram os diagnósticos.
Temos também um registro nacional de produtos sem glúten, mas ainda falta fiscalização e conscientização.
Vanessa Weisbrod (29:12):
Quando estive na Argentina, fiquei animada com essa lei. A comida era ótima, e os restaurantes ofereciam opções, mas nem sempre um menu completo ou livre de contaminação cruzada.
Dr. Bai (29:54):
Sim, há uma grande consciência sobre a doença celíaca no país, o que é muito positivo.
Vanessa Weisbrod (30:31):
Após esse congresso, qual o próximo passo para a doença celíaca na América Latina?
Dr. Bai (30:38):
Precisamos melhorar o diagnóstico e o acompanhamento pós-diagnóstico. Também devemos incentivar mais pesquisas, pois a produção científica atual é baixa. Mais pesquisadores significam melhor conhecimento e cuidado para os pacientes.
Vanessa Weisbrod (31:54):
Dr. Bai, muito obrigada por essa conversa. Agradecemos todo o seu trabalho na Argentina e no mundo. Foi um prazer aprender com você. E obrigado a todos os nossos ouvintes.
📌 Epílogo: O que aconteceu com Sophia?
Janice Arnold (Sophia) (32:19):
Hoje, Sophia vive bem com sua dieta sem glúten, apoiada por grupos de defesa e amigos. Ela se tornou uma defensora ativa, garantindo que os restaurantes cumpram a lei.
Como ela diz: “Cada pequeno passo faz uma grande diferença. As leis são boas, mas precisamos continuar educando para que sejam uma realidade para todos.”
🔊 Encerramento e Agradecimentos
Vanessa Weisbrod (32:45):
Agora, uma mensagem do Global Autoimmune Institute.
Global Autoimmune Institute (32:49):
Trabalhamos para soluções no diagnóstico e tratamento de doenças autoimunes, promovendo pesquisa, educação e abordagens multidisciplinares. Temos orgulho de apoiar este podcast.
Vanessa Weisbrod (33:08):
Obrigado por ouvir este episódio de Raising Celiac. Agradecimentos especiais ao Global Autoimmune Institute por tornar isso possível.